O futebol e o mês da luta das mulheres

JOGA Brazil
7 min readMar 25, 2021

Um ano de pandemia passado, mês da luta das mulheres e o que temos colecionado de informação por aí:

Campeonato sub 18 feminino organizado pela CBF

No final de semana passado, o Brasil pôde assistir ao final do Campeonato sub 18 feminino Fluminense (RJ) vs Internacional (RS), em que as cariocas levaram a taça. Além do campeonato em si, há que se ressaltar a narração da Renata Silveira, com comentários de Caio Ribeiro e Renata Mendonça no canal SPORTV. Além de outras matérias bacanas que o canal e outras profissionais da mídia brasileira levaram nesses últimos tempos, como esta entrevista com a jogadora Luiza Travassos, camisa 8 e meio-campista do Fluminense:

É muito bom que o futebol brasileiro proporcione finalmente, de forma contínua, consistente e progressiva, essa abertura de caminhos possíveis para meninas e mulheres no esporte. Que continuemos avançando contra as desigualdades também dentro do setor esportivo e por meio das boas oportunidades de vida que o futebol pode prover.

Todos os jogos foram transmitidos ao vivo pelo aplicativo MyCujoo, sendo a fase final exibida pela primeira vez em canal fechado pela Sportv. De acordo com a CBF, foram 24 equipes, 3 fases, sendo que 72 do total de 90 jogos ocorreram no município de Sorocaba, no interior do Estado de São Paulo. A segunda etapa, com os 8 melhores times, foi realizada em Criciúma, no estado de Santa Catarina. Esta edição contou com sedes fixas nas duas etapas iniciais para viabilização do sistema de bolha sanitária, evitando possíveis contaminações de Covid-19. A ‘capitã’ Pellegrino (coordenadora da CBF), declarou, com otimismo:

“Fico muito feliz da gente ter entregado esse jogo em uma TV importante do futebol brasileiro, em um horário nobre, com as meninas mostrando muita maturidade nas cobranças de pênaltis. Foram seis jogos nessa reta final — quatro das semifinais e dois das finais — todos muito bem jogados e com muitos gols. Isso mostra que estamos no caminho certo e as competições femininas só têm a melhorar.”

Libertadores da CONMEBOL

Em relação à Libertadores, a Ferroviária venceu o time colombiano América de Cali, ganhando seu segundo título na competição, sendo o primeiro em 2015 e que em 2019 havia ficado em segundo lugar (perdendo para o Corinthians). O Corinthians, por sua vez, venceu a Universidad de Chile e ficou em terceiro lugar.

A quantidade de títulos das brasileiras na competição traz sentimentos mistos, pois queremos um futebol feminino sulamericano forte e competitivo. Inclusive pensando nas condições regionais para um bom desempenho no futuro mundial de clubes. Além disso, a ausência de VAR na competição deixa dúvidas sobre o quanto que está sendo levada à sério pela CONMEBOL.

E, infelizmente, avaliando os humores na internet, inclusive durante o evento, a América do Sul segue bem longe de resolver suas questões com o machismo para poder apreciar o futebol feminino e passar a respeitar suas mulheres e meninas. Espera-se que as próximas competições de categoria de base para a Liga de Desenvolvimento, previstas para abril, apresentem condições melhores.

Muito trabalho a ser feito

Há muito trabalho a ser feito. Apesar do Santos ter tomado uma atitude em relação às declarações violentas contra meninas e mulheres por parte do ex-conselheiro e sócio Sergio Ramos, seguimos atentas às reclamações do descaso do Juventus com suas jogadoras, que levou ao desmanche do Futebol Feminino. E já sabemos que a pandemia afetou mais duramente as jogadoras, que não são consideradas trabalhadoras em muitos países, como já mencionado em levantamento da organização FIFPro.

Em relação aos bons exemplos, na América do Sul, há brasileiras como a ex-comandante da seleção feminina Emily Lima e Camila Aveiro atuando profissionalmente também na reestruturação do futebol feminino do Equador. E o Observatório da Discriminação Racial no Futebol junto ao projeto Primeira Pele publicou um Manual de Anti-Racismo no Esporte acompanhado de uma campanha-manifesto muito legal com atletas unidos contra o racismo, em formato de vídeo, além de outros conteúdos em seu instagram. A campanha atenta à subnotificação das denúncias pela descrença nas instituições responsáveis por tomar as devidas atitudes e busca incentivar o posicionamento antirracista.

https://www.instagram.com/primeirapelepreta/

De modo similar, a capitã da Alemanha, Alexandra Popp, pediu uma explicação ao tribunal da Associação de Futebol da Alemanha Ocidental (WDFV) depois que o técnico Sub-23 do Borussia Monchengladbach, Heiko Vogel, de 45 anos, foi obrigado a comandar seis treinos com uma equipe feminina adulta ou da base antes de 30 de junho. Ele também foi multado em € 1.500.

A ordem foi emitida pelo tribunal depois que Vogel foi considerado culpado de fazer comentários inadequados às autoridades Vanessa Arlt e Nadine Westerhoff em 30 de janeiro. Vogel disse à árbitra assistente Vanessa Arlt que “as mulheres não têm absolutamente nenhum lugar no futebol” e que “as mulheres devem ser banidas do futebol”, depois que ele foi expulso, disseram fontes à mídia ESPN.

“A discriminação não tem lugar nos esportes” disse Popp, do VfL Wolfsburg, à ESPN. “Talvez você devesse pensar se essas pessoas ainda deveriam ter um lugar no futebol em vez de mandá-las para um time feminino. É simplesmente a abordagem errada. Desvaloriza o futebol feminino, ridiculariza o futebol feminino.” Popp disse que mantiveram conversas com o presidente da Federação Alemã (DFB), Fritz Keller, na segunda-feira, após o que consideraram falta de apoio. Popp acrescentou:

“Isso não deve mais acontecer. Falamos de discriminação, de racismo, de tudo o tempo todo, e esse tipo de discriminação não deve mais ser um problema. Se eu estou em um campo de futebol ou um homem faz o trabalho doméstico. Não importa. Estamos em 2021. Deixe as pessoas viverem a vida que desejam.”

Campeonato inglês — WSL

A Sky Sports vai exibir até 44 jogos por temporada e a BBC 22, segundo um acordo de três anos no valor de 8,1 milhões de euros (cerca de 9,66 milhões de dólares) por temporada. “É um acordo que muda e transforma a Superliga Feminina Inglesa (WSL)”, disse Kelly Simmons, diretora de futebol feminino profissional da Federação Inglesa (FA), que negociou pela primeira vez separadamente do futebol masculino os direitos da competição.

“Não se trata apenas de um clube, uma pessoa, uma entidade, trata-se de um todo e é uma verdadeira celebração para o futebol feminino e todos os envolvidos nele”, disse Emma Hayes, a administradora do clube Chelsea na segunda-feira. Uma parte importante do acordo com a Sky e a BBC foi o fato de que todos eles estão se comprometendo com a parte do pacote de estúdio também (a construção dos jogos, a análise dos jogos). Isto se torna um marcador importante.

Amistosos pré-Olimpíadas

O time americano anunciou que irá para a Europa enfrentar o time sueco em 10 de Abril e o time francês no dia 13 de abril. Nesta situação, a jogadora Carli Lloyd se tornará uma das três jogadoras na história do futebol internacional — masculino ou feminino — a jogar 300 vezes por seu país, juntando-se às ex-colegas Kristine Lilly (354) e Christie Pearce Rampone (311).

Olimpíadas em Tóquio

As Olimpíadas estão para acontecer em 23 de julho e ficou decidido que não haverá público externo ao território japonês presente para garantir condições mais seguras a todos. Os valores dos ingressos ao público externo ao território serão devolvidos. “Compartilhamos a decepção de todos os torcedores olímpicos entusiasmados de todo o mundo e, claro, das famílias e amigos dos atletas, que planejavam vir aos Jogos”, disse o presidente do COI, Thomas Bach.

“Mas também dissemos que o primeiro princípio é a segurança. Cada decisão deve respeitar o princípio da segurança em primeiro lugar. Sei que nossos parceiros e amigos japoneses não chegaram a essa conclusão levianamente. Junto com eles, a principal prioridade do COI era, é e continua sendo organizar Jogos Olímpicos e Paraolímpicos seguros para todos: todos os participantes e, claro, nossos gentis anfitriões, o povo japonês. Estamos lado a lado com nossos parceiros e amigos japoneses, sem qualquer tipo de reserva, para fazer dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Tóquio 2020 um grande sucesso.”

Desafios globais e locais

Mas as decorrências do machismo, do racismo e da homofobia não são os únicos problemas presentes no setor que afetam as mulheres, não é mesmo?

Talvez se nós fizéssemos uma pesquisa interna e outra externa sobre a imagem do futebol e, mais especificamente, do futebol brasileiro, descobriríamos um forte estigma relacionado à corrupção. Ao mesmo tempo em que ainda ouvimos muito sobre o endividamento dos clubes brasileiros, uma suposta falta de recursos e outra suposta falta de investimento quando falamos de futebol feminino.

Se não houver esforços de transparência e de prestação de contas, dificilmente haverá confiança de investidores, de um lado, e as ações serão percebidas de forma otimista e desatrelada à uma espécie de “cortina de fumaça” pela comunidade, de outro. Direitos humanos e atitudes ambientias positivas sem medidas anticorrupção e uma larga campanha por prestação de contas constantemente soam como “cortina de fumaça” (ou moedas de troca) para os ouvidos de quem não tem memória curta.

E não é como se a FIFA não tivesse ciência da persistência deste estigma em maior escala. Ela está bem ciente de que se tornou um símbolo internacional de corrupção perto de 2015. Desde então, a entidade vem construindo um caminho de tentar resgatar a confiança dos fãs. Em 2016, a organização “Transparency International” publicou um relatório sobre Governança no Esporte e com alguns capítulos se atentando às questões do futebol, outros sobre a América do Sul e outros sobre o Brasil, inclusive.

Em 2017, há apenas quatro anos atrás, a “Transparency International” e a “Forza Football”, uma plataforma de opinião de fãs de futebol com mais de 3 milhões de assinantes, fizeram uma pesquisa com 25.000 fãs de mais de 50 países para descobrir o que eles pensavam. 53% dos torcedores não confiavam na FIFA. Em relação ao ano anterior, em 2016, este número era ainda maior: 69% dos torcedores consultados não confiavam na FIFA.

Colocado tudo isso, deixo a pergunta: quais os principais obstáculos que o futebol precisa superar, na opinião de vocês?

Créditos: Natalia Lopes

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